segunda-feira, 25 de maio de 2009

Capelas do Beco: 2ª Parte

Na crónica nº18 iniciou-se o estudo dos edifícios religiosos pertencentes à freguesia do Beco, tendo sido citados vários templos que, actualmente, não cumprem a sua função cultual, ou por se encontrarem parcialmente arruinados ou já totalmente desaparecidos, deles restando tão somente o registo que os antigos cronistas nos deixaram nos seus manuscritos. Torna-se agora necessário falar de um outro exemplar que, pelo contrário, tem sido continuamente remodelado ao longo dos tempos, a fim de nele se poder manter o culto. Trata-se da Capela de Nossa Senhora da Orada, situada junto à estrada que, de Ferreira do Zêzere, segue para os Cabaços.
De acordo com Frei Agostinho de Santa Maria, o culto da Senhora da Orada trata-se de um dos mais antigos da Europa e terá sido importado de França, derivando da «frequente devoção com que os fieis orão, pedem & rogão à Senhora pelo remedio de suas necessidades, & que da frequencia com que a oravão à Senhora se lhe déra o titulo & invocação da Orada, que he o mesmo que a Senhora aonde se costumava orar & ter oração». A licença de culto foi concedida em 1536 por D. João III aos moradores de Alvaiázere, Puços e Arega. No dia da festa em honra da Senhora da Orada tinha lugar um jantar para os pobres, realizado à custa das esmolas acumuladas pela Confraria, mas que por degenerar normalmente em excessos veio a ser proibido por D. Manuel. Era também nesta capela que se enterravam os finados que, pela grande distância a que estavam de Dornes, ficavam muitas vezes sem sepultura. E, segundo parece, ao lado do templo eram mantidas umas casitas, onde se abrigavam os ermitães. Do ponto de vista arquitectónico, a frontaria é constituída por um portal de lintel arqueado, ao qual se sobrepõe um óculo quadrilobado. Do lado direito eleva-se a torre sineira, de volume esmagador, dotada de quatro campanários (um em cada pano) hoje disfuncionais. É esta torre encimada por uma cobertura piramidal de betão, recoberta a telha, enquanto que o corpo central, de planta longitudinal, é coberto por um telhado de duas águas, na junção das quais se eleva uma cruz de Cristo. A partir da lateral sul desenvolve-se uma construção independente do edifício religioso e que cumpre as funções de arrecadação, enquanto que pela lateral norte se destaca um volume correspondente à sala de sacristia, dotada de acesso exterior pelo lado nascente.
 
Já no interior do templo destacam-se dois pequenos altares laterais executados em talha policromada, consagrados a Nossa Senhora de Fátima (lado do Evangelho) e ao Sagrado Coração de Jesus (lado da Epístola). Ainda na lateral esquerda foi colocado um painel de azulejos, de produção recente, representativo do Baptismo de Cristo. Por sua vez, o altar-mor resume-se a um pequeno nicho central, emoldurado por talha policromada de concepção idêntica à dos retábulos laterais. No tímpano da moldura foi incluído um conjunto de símbolos muito interessante: a cruz de Cristo, junto da mão e olho de Deus; o cálice da eucaristia, sobre o qual se ergue uma hóstia raiada de luz; a insígnia da Virgem Maria (M e V sobrepostos) e, sob esta, o coração da redenção. O nicho central é reservado à imagem padroeira, cópia do orago quinhentista que ainda hoje se preserva, esculpido em pedra e com vestígios de policromia. Este representa a Senhora da Orada (ou a Senhora em Oração), segurando nos braços o Menino, que nas mãos recebe a Pomba do Espírito Santo. Repare-se que, sobre o altar-mor, existe um alto-relevo esculpido em pedra e no qual se encontra igualmente representada a Pomba do Espírito Santo, envolta por raios de luz.

Mas, no contexto arquitectónico-religioso da Freguesia do Beco, torna-se ainda necessário fazer referência a alguns templos de carácter particular, que surgem na dependência de importantes quintas ou solares e que se podem assumir como construções independentes ou agregadas aos correspondentes edifícios habitacionais. Tal é o exemplo das capelas de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora da Penha de França e de Santo António.
A Capela de Nossa Senhora do Carmo encontra-se na Quinta do Arcipreste, assim designada por ter pertencido, em tempos, ao Reverendo Arcipreste João Alves das Neves. De acordo com António Baião, o pequeno templo foi fundado no ano de 1757 pelo Dr. Ângelo de Brito, médico natural do Beco que aqui viria a ser sepultado. A dependência religiosa surge integrada na fachada principal do edifício habitacional, hoje perfeitamente reabilitado, e abre para a via pública, destacando-se claramente da restante composição arquitectónica de que faz parte integrante. A frontaria do templo caracteriza-se pelas suas linhas equilibradas, de um barroquismo contido, que se revela sobretudo ao nível do frontão quebrado que sobrepuja o portal principal. Aqui, no interior de uma mandorla e envolto por duas palmas, destaca-se um escudo com uma cruz de Cristo e três estrelas inscritas, numa possível alusão à Santíssima Trindade. A porta, de lintel curvo, é ladeada por duas janelas de idêntica configuração e perfeitamente simétricas; por sua vez, na empena, que termina num frontão contracurvado encimado pela cruz de Cristo, rasga-se um óculo polilobado. Do lado esquerdo, na ligação do edifício habitacional com a capela, eleva-se um campanário disfuncional; este, por sua vez, sobrepuja uma goteira e uma janela que ilumina o corredor da tribuna. A ligação entre a massa habitacional e a dependência prestada ao culto é estabelecida por intermédio de uma tribuna e coro-alto, através dos quais é possível descer ao templo, cujo espaço interior é constituído por nave e capela-mor, demarcada do corpo central por um arco cruzeiro em cuja pedra de fecho se encontra a data de 1736, correspondente ao ano de conclusão do templo.
  
A Capela de Nossa Senhora da Penha de França pertencia à antiga Quinta da Corujeira, cujo primitivo complexo habitacional se encontra hoje desvirtuado, revelando a maioria dos edifícios remanescentes um estado de conservação preocupante, à semelhança do pequeno templo que se encontra parcialmente arruinado. Do ponto de vista arquitectónico, a capela ocupa uma posição sobrelevada relativamente ao eixo de circulação viária, sendo o espaço religioso demarcado da via pública por meio de um pequeno adro murado. A planta é longitudinal e de nave única, coberta por um telhado de duas águas que a qualquer momento ameaçam ruir. Pelo lado direito do corpo central destaca-se o volume correspondente a uma pequena sala de sacristia, provida de acesso pelo exterior. Já a frontaria é constituída por um portal de lintel curvo, a que se sobrepõe um registo azulejar datado de 1773 e no qual figura a padroeira, imagem realizada em tons de azul. O painel é envolto por uma moldura claramente barroca, completa por concheados e motivos vegetalistas executados em azul, verde, amarelo e avinhado. Neste registo pode ler-se o seguinte: “Esta irmida hé de N. S. de Penha de Fransa e do Senhor dos Emfermos que mandou faze Joze Cotrim no anno 1773”. Na empena foi rasgado um pequeno óculo, hoje entaipado, enquanto que o frontão é encimado por uma Cruz de Cristo (ao centro), um campanário (do lado esquerdo, que curiosamente se volta a Norte) e um fogaréu, elementos de grandes dimensões e de talhe grosseiro que chocam com a singeleza das linhas arquitectónicas da estrutura do templo. Pelo interior e na parede frontal preserva-se um altar esculpido em talha policromada barroca, que se encontra igualmente bastante degradado e no qual esteve, em tempos, um delicado grupo escultórico de madeira, setecentista, representativo da Sagrada Família.
  
Por fim, a Capela de Santo António pertence à antiga Quinta do Souto, complexo habitacional que se encontra actualmente arruinado. A dependência religiosa surge integrada na fachada principal do edifício habitacional e abre para a via pública, ocupando uma posição central e destacada, de aparato arquitectónico muito idêntico ao que enquadra a entrada nobre da casa. A frontaria do templo irrompe da horizontalidade da moradia por meio de uma platibanda contracurvada, encimada por uma cruz de Cristo e dois fogaréus. O portal, ladeado por duas janelas, é enriquecido por um frontão que se desenvolve a partir do lintel e em cujo tímpano, numa mandorla envolta por concheados, sobressai em relevo a vera cruz e um ramo de lírios. Sobrepõe-se-lhe um janelão rectangular, de frontão interrompido por uma folha de acanto. Pelo interior, arruinado e desprovido de todo o seu espólio, a capela é de planta longitudinal e nave única, abrindo para este espaço uma pequena sala de sacristia que, provavelmente, teria ligação com outras dependências da habitação.

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