A história da povoação de Pias remonta a 1321 quando, a partir desta data, se converte na sede de uma das novas comendas da Ordem de Cristo fundadas no termo de Tomar, após a extinção dos Templários. De acordo com o historiador António Baião, autor da Vila e Concelho de Ferreira do Zêzere (1918), foi então eleito seu primeiro comendador frei Álvaro Gonçalves (c. 1345) a que se seguiram, entre outros, os célebres Gonçalo Velho Cabral (séc. XV) e Lourenço Pires de Távora (séc. XVI). De sede de comenda, Pias ascenderia à categoria de Vila a 25 de Fevereiro de 1534, por ordem directa de D. João III, sendo este curioso episódio narrado pelo padre António Carvalho da Costa na sua Corografia Portuguesa (1712). De acordo com o cronista, o rei terá ficado alojado nas pousadas de Jerónimo de Sousa, morador nesta povoação, e tão contente ficou com a recepção que a converteu em Vila e fez do estalajadeiro seu primeiro capitão-mor. Pias seria então apartada da Vila de Tomar e mais tarde, a partir de 1588, com a fundação da igreja matriz de São Luis de Tolosa, converter-se-ia igualmente em sede de freguesia, sendo-lhe então atribuído todo o termo de Santa Maria de Areias. Actualmente, Pias é uma das nove freguesias do concelho de Ferreira do Zêzere, ocupando uma área total de 9,87 km², com 534 habitantes, distribuídos pelos seguintes lugares: Alqueidão, Amial, Baloco, Boucha, Carrascal, Carvalha, Castelo, Infestinos, Lameira, Louriceira, Outeiro dos Pereiros, Panascal, Peniçal, Pessegueiro, Pias, Ponte de Pias, Ponte de Tabuado, Quinta do Boim, Raposeira, Ribeira de Pias, Ribeiro da Dona, Robária, S. Marcos, Serrado da Azinheira, Serra de Santa Catarina, Telheiro, Telheiro de Baixo, Telheiro de Cima e Vale de Veias. Dos exemplares de arquitectura religiosa existentes nesta freguesia, para além da igreja matriz já devidamente analisada na crónica anterior, subsistem somente três: a capela de Santo António e a capela de São Marcos, ambas pertencentes ao Bispado de Coimbra, e a capela particular de Nossa Senhora do Desterro, que inclusivamente já não cumpre a sua função cultual. Vejamos cada um destes casos em particular.
A Capela de Santo António localiza-se na sede de freguesia, relativamente próximo da igreja paroquial, e foi erigida numa elevação de terreno, acedendo-se ao templo por meio de uma extensa escadaria de três lanços. Do ponto de vista arquitectónico, trata-se de uma pequena capela de planta longitudinal e nave única, com cobertura em telhado de duas águas, na junção das quais se ergue uma cruz de Cristo. A frontaria termina em empena triangular, interrompida do lado direito por um pequeno campanário; esta é simplesmente constituída por um portal de lintel curvo, ladeado por duas frestas de terminação semicircular. Na chave do lintel da entrada conserva-se ainda uma inscrição, esculpida em relevo na cantaria, e que poderá corresponder a um momento de intervenção no templo; nela pode ler-se o seguinte: “J.P. 1903”.
Pelo interior é de cobertura madeirada em três planos, sendo o pavimento recoberto a mosaico cerâmico. Os muros interiores foram revestidos por um silhar azulejar de 7 unidades de altura, exemplares de produção industrial, executados nos tons de azul, branco e amarelo, que obedecem a um módulo de repetição de 2X2/2. Sobre a mesa de altar conserva-se a imagem de Santo António com o Menino.
Já a Capela de São Marcos, instituída no lugar com o mesmo nome, goza de um enquadramento rural, sendo rodeada pelo casario típico do povoado e por uma estrada que lhe é contígua. O templo é delimitado por um amplo largo calcetado, em parte murado. De acordo com o citado António Baião, já no terceiro quartel do século XVI existia a capelinha de S. Marcos, localizada a cima e para o lado nascente da vila de Pias, encontrando-se então toda destelhada e quase deitada por terra. Actualmente, trata-se de um edifício reconstruído a partir das ruínas existentes nesse local e em cuja frontaria se pode ler a seguinte informação, inscrita numa lápide: “Capela reconstruída em 2003.” Não obstante, facilmente se constata que as dimensões após a reconstrução são muito menores que as do templo original. De facto, a frontaria da actual capela de São Marcos corresponde ao limite imposto pelo primitivo arco cruzeiro, e daí que as dimensões do pórtico pareçam tão desajustadas relativamente à singeleza arquitectónica da capelinha, que teria de ter pelo menos o dobro do comprimento; não obstante, a solução adoptada não deixou de ser engenhosa, uma vez que houve uma proveitamento da única estrutura existente no momento da intervenção: a capela-mor. Também por esta razão, a planta longitudinal do templo desenvolve-se na largura e não no comprimento, como é usual. Mantém, no entanto, a mesma cobertura em telhado de duas águas, na junção das quais se eleva uma grande cruz de Cristo em cantaria. Na empena esquerda foi adossado o típico campanário e, pela lateral do mesmo lado, desenvolve-se o volume da sacristia, dotada de acesso pelo exterior, uma fresta e cobertura em telhado de três águas.
Interiormente, apresenta cobertura madeirada em três planos, sendo o pavimento recoberto a mosaico cerâmico. As paredes foram recentemente revestidas por um silhar azulejar, cujo padrão reproduz o tapete que se desenvolve ao longo do corpo central da igreja de São Luís das Pias. O restante espólio é igualmente rico, sendo constituído por um conjunto de obras de cantaria de natureza calcária, datadas do século XVII: o altar-mor, belíssimo nicho tripartido, encimado por um frontão triangular; a imagem padroeira de São Marcos Evangelista, aos pés da qual se deita um leão, seu principal atributo; e um pequeno lavatório de simples lavor.
Por fim, surge a Capela de Nossa Senhora do Desterro, templo de carácter particular integrado na fachada principal da Quinta do Desterro, sita no lugar do Alqueidão das Pias. Trata-se, na verdade, de uma dependência dotada de acesso para a via pública, mas que passa claramente despercebida, uma vez que não existe qualquer elemento arquitectónico ou decorativo que a permita distinguir pelo exterior. A porta de acesso ao templo corresponderia à segunda entrada que se abre no andar térreo da moradia, a contar pela lateral direita; por sua vez, através da primeira entrada realizava-se o acesso à sala de sacristia. Não obstante, já não cumpre actualmente a sua função cultural uma vez que, de acordo com o seu actual proprietário, todo o espólio se perdeu no decurso dos saques originados pelas invasões francesas. Mas a história que se encontra associada à Quinta do Desterro e à sua capela não deixa, no entanto, de ser curiosa. De acordo com Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano (c. 1712), este templo havia sido fundado por Diogo de Sousa e sua mulher Catarina Garcês de Oliveira, pessoas nobres da Vila das Pias, embora se desconheça o ano concreto da sua fundação. Como não haviam deixado descendência, tomou posse da Quinta e Capela do Desterro o Capitão Lucas de Sá e Mendonça, a quem sucedeu seu filho Rodrigo de Sá e Mendonça. Nesta capelinha se encontravam, por volta de 1711, as imagens que compõem a tríade da Sagrada Família: Nossa Senhora, São José e o Menino Jesus, vestidos como peregrinos, no momento em que, saindo do Egipto, caminhavam para a Nazaré. Frei de Santa Maria refere ainda que “são obradas estas santas imagens de escultura de madeyra; a sua proporção não passará de tres palmos; são estofadas com perfeyção”. Os ofícios religiosos eram então assistidos por um capelão, pago por Rodrigo de Sá, que tinha a obrigação de todos os dias dizer missa na capelinha. E com a 35ª Crónica, dedicada às “Capelinhas de Pias”, se encerra o capítulo da Arquitectura Religiosa no Concelho de Ferreira do Zêzere.
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