Ex-voto, existente na Capela de São Pedro de Castro, em Ferreira do Zêzere
O Culto das Imagens remonta, na Península Ibérica, ao tempo da antiga Lusitânia quando, por influência celta e cartaginesa, se adoravam certas divindades protectoras, associadas aos elementos naturais e às quais eram atribuídas determinadas virtudes. Com a romanização e, mais tarde, com a propagação do Cristianismo, muitas dessas divindades pagãs manter-se-iam sob a égide de outras entidades ao ponto de, actualmente, permanecerem certas reminiscências ancestrais nas manifestações religiosas populares, de que são exemplo o culto dos Santos e, em particular, de Maria.
Essa afinidade entre os ritos gentílicos e a liturgia católica reside, precisamente, no carácter simbólico da imagem venerada. Isto porque, independentemente da sua representação física, um santo é sempre um símbolo do sagrado, que encerra todo um conjunto de valores ético-sociais nos quais a comunidade se revê e que, por essa razão, a ele recorre de forma a assegurar a sua protecção divina. Por sua vez, tal carácter místico deriva, não só, das narrativas eclesiásticas que se lhe encontram associadas, mas advém igualmente dos mitos peculiares que frequentemente se geram em torno de uma imagem sagrada e que, de geração em geração, vão sendo transmitidos, em narrativas que se encontram para além dos limites da história factual.
No domínio da religião popular e, em particular, no Concelho de Ferreira do Zêzere, são frequentes as lendas que relatam os acontecimentos fantásticos operados por invocação de um determinado santo, e que geralmente se relacionam com o surgimento do povoado ou da respectiva capela onde este é cultuado. Tal é o exemplo da imagem de Nossa Senhora do Pranto, cujo aparecimento justificaria o desenvolvimento da Vila e da Igreja de Dornes naquele mesmo lugar, ou da imagem de Nossa Senhora da Graça, que surgiu no morro onde a respectiva igreja de Areias viria a ser construída. Estas narrativas foram registadas por Frei Agostinho de Santa Maria no seu Santuário Mariano mas, por serem demasiado extensas, não as vou aqui transcrever, referindo apenas que, para além destas duas imagens, o religioso se reporta aos inúmeros milagres testemunhados por invocação de Nossa Senhora da Orada (N.S.ª da Orada; F. de Beco) e de Nossa Senhora da Encarnação (Cumes; F. de Chãos), descrevendo com igual paixão a Igreja de São Luís das Pias ou a Capela de Nossa Senhora do Desterro (Alqueidão; F. de Pias).
Por sua vez, José Leite de Vasconcelos, na sua Excursão Extremenha de Tomar a Dornes (1895), reporta-se a um interessante costume religioso, em tempos praticado na Capela de São Saturnino, pequeno ermitério situado na Serra da Guimareira, na Freguesia de Areias: “ouvi falar de quem está doente de sezões (?) rouba três telhas a qualquer casa, e vai pô-las ao pé do Santo [São Saturnino], cuidando que sara; chamam-lhe por isso o ladrão das telhas. É preciso que as telhas sejam furtadas, e sem o dono saber; se este souber, ou se as telhas forem dadas ao doente, o rito de nada serve”. De facto, devido ao seu carácter virtuoso, a generalidade dos santos é invocada por motivo de doença, actuando a imagem como intercessora da fé ou esperança do crente na cura do mal. O pedido de auxílio é geralmente reforçado por meio de um objecto simbólico – muitas das vezes um molde de cera da parte do corpo afectada pela doença – e por um papel escrito – o “requerimento” – no qual é mencionado aquilo que se deseja. Simultaneamente, o crente compromete-se a oferecer um determinado rito, objecto ou soma de dinheiro caso o seu pedido venha a ser atendido e, se a cura vier a ser processada, é necessário fazer cumprir a promessa, entregando à imagem o que lhe foi prometido.
Aos objectos assim oferecidos convencionou dar-se o nome de Ex-votos, expressão latina cuja fórmula completa (Ex voto donatorum) significa “dado na sequência de um voto”. Relativamente a este costume religioso, mencione-se que, a partir do século XVII, se desenvolveu o hábito de representar, em tabuinhas pintadas, a história da doença e da sua cura. Nestas pequenas composições, geralmente depositadas junto do altar da imagem a que se pediu auxílio ou na sala de sacristia, surgem representados o doente, deitado e rodeado por médicos ou familiares, e o santo, pairando nos ares, ao mesmo tempo que um texto explica a quem se referem as personagens. Tal é o exemplo das sete tabuinhas pintadas, existentes na Capela de São Pedro de Castro, em Ferreira do Zêzere. Os registos são alusivos a milagres operados pelo Santo entre os séculos XVII e XIX, sabendo que em algumas destas peças a mancha pictórica já quase desapareceu por completo. Para além destes ex-votos, existem ainda, na mesma capela, três gravuras muito interessantes onde S. Pedro é representado.
Essa afinidade entre os ritos gentílicos e a liturgia católica reside, precisamente, no carácter simbólico da imagem venerada. Isto porque, independentemente da sua representação física, um santo é sempre um símbolo do sagrado, que encerra todo um conjunto de valores ético-sociais nos quais a comunidade se revê e que, por essa razão, a ele recorre de forma a assegurar a sua protecção divina. Por sua vez, tal carácter místico deriva, não só, das narrativas eclesiásticas que se lhe encontram associadas, mas advém igualmente dos mitos peculiares que frequentemente se geram em torno de uma imagem sagrada e que, de geração em geração, vão sendo transmitidos, em narrativas que se encontram para além dos limites da história factual.
No domínio da religião popular e, em particular, no Concelho de Ferreira do Zêzere, são frequentes as lendas que relatam os acontecimentos fantásticos operados por invocação de um determinado santo, e que geralmente se relacionam com o surgimento do povoado ou da respectiva capela onde este é cultuado. Tal é o exemplo da imagem de Nossa Senhora do Pranto, cujo aparecimento justificaria o desenvolvimento da Vila e da Igreja de Dornes naquele mesmo lugar, ou da imagem de Nossa Senhora da Graça, que surgiu no morro onde a respectiva igreja de Areias viria a ser construída. Estas narrativas foram registadas por Frei Agostinho de Santa Maria no seu Santuário Mariano mas, por serem demasiado extensas, não as vou aqui transcrever, referindo apenas que, para além destas duas imagens, o religioso se reporta aos inúmeros milagres testemunhados por invocação de Nossa Senhora da Orada (N.S.ª da Orada; F. de Beco) e de Nossa Senhora da Encarnação (Cumes; F. de Chãos), descrevendo com igual paixão a Igreja de São Luís das Pias ou a Capela de Nossa Senhora do Desterro (Alqueidão; F. de Pias).
Por sua vez, José Leite de Vasconcelos, na sua Excursão Extremenha de Tomar a Dornes (1895), reporta-se a um interessante costume religioso, em tempos praticado na Capela de São Saturnino, pequeno ermitério situado na Serra da Guimareira, na Freguesia de Areias: “ouvi falar de quem está doente de sezões (?) rouba três telhas a qualquer casa, e vai pô-las ao pé do Santo [São Saturnino], cuidando que sara; chamam-lhe por isso o ladrão das telhas. É preciso que as telhas sejam furtadas, e sem o dono saber; se este souber, ou se as telhas forem dadas ao doente, o rito de nada serve”. De facto, devido ao seu carácter virtuoso, a generalidade dos santos é invocada por motivo de doença, actuando a imagem como intercessora da fé ou esperança do crente na cura do mal. O pedido de auxílio é geralmente reforçado por meio de um objecto simbólico – muitas das vezes um molde de cera da parte do corpo afectada pela doença – e por um papel escrito – o “requerimento” – no qual é mencionado aquilo que se deseja. Simultaneamente, o crente compromete-se a oferecer um determinado rito, objecto ou soma de dinheiro caso o seu pedido venha a ser atendido e, se a cura vier a ser processada, é necessário fazer cumprir a promessa, entregando à imagem o que lhe foi prometido.
Aos objectos assim oferecidos convencionou dar-se o nome de Ex-votos, expressão latina cuja fórmula completa (Ex voto donatorum) significa “dado na sequência de um voto”. Relativamente a este costume religioso, mencione-se que, a partir do século XVII, se desenvolveu o hábito de representar, em tabuinhas pintadas, a história da doença e da sua cura. Nestas pequenas composições, geralmente depositadas junto do altar da imagem a que se pediu auxílio ou na sala de sacristia, surgem representados o doente, deitado e rodeado por médicos ou familiares, e o santo, pairando nos ares, ao mesmo tempo que um texto explica a quem se referem as personagens. Tal é o exemplo das sete tabuinhas pintadas, existentes na Capela de São Pedro de Castro, em Ferreira do Zêzere. Os registos são alusivos a milagres operados pelo Santo entre os séculos XVII e XIX, sabendo que em algumas destas peças a mancha pictórica já quase desapareceu por completo. Para além destes ex-votos, existem ainda, na mesma capela, três gravuras muito interessantes onde S. Pedro é representado.
Nossa Senhora das Candeias, no lugar do Mourelinho, Igreja Nova do Sobral
No que se refere ao culto particular de Maria, diga-se que esta representação sagrada não corresponde necessariamente à Virgem Maria, Mãe de Jesus, mas simplesmente a Nossa Senhora, designação associada a um determinado nome, lenda ou escultura, através da qual se manifesta um poder particular, independente da personagem católica que representa. Assim sendo, a cada Senhora está relacionada uma determinada virtude, definidora do nome do orago, até porque, tipologicamente, todas as imagens são semelhantes entre si.
As Senhoras populares, de que são exemplo os cultos da Senhora da Saúde (Pereiro; F. de Areias), Senhora da Luz (Vila Verde; F. de Areias) ou Senhora das Candeias (Mourelinho; F. de Igreja Nova do Sobral), praticados no Concelho de Ferreira do Zêzere, aparecem repetidamente representadas com faces sorridentes, emolduradas por fartas e belas cabeleiras, e transportando nos braços um menino. As suas vestes são amplas, de verdadeiro tecido ou esculpidas no material de suporte da imagem, o que contribui para lhe conferir um perfil triangular.
Originalmente, o culto de Maria encontra-se associado ao valor da Natalidade, sobretudo nas imagens da Senhora do Ó ou da Expectação (Sobral; F. de Igreja Nova do Sobral), representada com o ventre proeminente e invocada durante a gravidez, e da Senhora do Leite (Igreja Matriz do Beco), representada com um seio descoberto e invocada durante o aleitamento. Porém, a Senhora é também invocada em momentos de tristeza, recorrendo os fiéis a cultos específicos de forma a expiar a sua agonia. Uma dessas representações é a da Senhora do Pranto, Piedade ou das Dores (Igreja Matriz de Dornes), culto incrementado na sociedade portuguesa renascentista e dirigido à imagem de Maria com o Filho morto sobre os joelhos.
A partir do século XVII, o culto Mariano conheceu grande projecção, multiplicando-se as representações de Nossa Senhora alusivas aos mais diferentes episódios da vida da Virgem Maria, ao mesmo tempo que se desenvolvem diversos cultos litúrgicos, cujo mais importante é o da Imaculada Conceição. Em Ferreira do Zêzere, a par desta liturgia (Capela de N. Sr.ª da Conceição, Ereira, Paio Mendes), mantêm-se os cultos de Nossa Senhora da Graça (Igreja Matriz de Águas Belas e de Areias), Nossa Senhora da Encarnação (Cumes; F. de Chãos) e de Nossa Senhora da Purificação (Frazoeira; F. de Dornes).
As Senhoras populares, de que são exemplo os cultos da Senhora da Saúde (Pereiro; F. de Areias), Senhora da Luz (Vila Verde; F. de Areias) ou Senhora das Candeias (Mourelinho; F. de Igreja Nova do Sobral), praticados no Concelho de Ferreira do Zêzere, aparecem repetidamente representadas com faces sorridentes, emolduradas por fartas e belas cabeleiras, e transportando nos braços um menino. As suas vestes são amplas, de verdadeiro tecido ou esculpidas no material de suporte da imagem, o que contribui para lhe conferir um perfil triangular.
Originalmente, o culto de Maria encontra-se associado ao valor da Natalidade, sobretudo nas imagens da Senhora do Ó ou da Expectação (Sobral; F. de Igreja Nova do Sobral), representada com o ventre proeminente e invocada durante a gravidez, e da Senhora do Leite (Igreja Matriz do Beco), representada com um seio descoberto e invocada durante o aleitamento. Porém, a Senhora é também invocada em momentos de tristeza, recorrendo os fiéis a cultos específicos de forma a expiar a sua agonia. Uma dessas representações é a da Senhora do Pranto, Piedade ou das Dores (Igreja Matriz de Dornes), culto incrementado na sociedade portuguesa renascentista e dirigido à imagem de Maria com o Filho morto sobre os joelhos.
A partir do século XVII, o culto Mariano conheceu grande projecção, multiplicando-se as representações de Nossa Senhora alusivas aos mais diferentes episódios da vida da Virgem Maria, ao mesmo tempo que se desenvolvem diversos cultos litúrgicos, cujo mais importante é o da Imaculada Conceição. Em Ferreira do Zêzere, a par desta liturgia (Capela de N. Sr.ª da Conceição, Ereira, Paio Mendes), mantêm-se os cultos de Nossa Senhora da Graça (Igreja Matriz de Águas Belas e de Areias), Nossa Senhora da Encarnação (Cumes; F. de Chãos) e de Nossa Senhora da Purificação (Frazoeira; F. de Dornes).
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