sexta-feira, 12 de junho de 2009

Capelas de Ferreira do Zêzere: 1ª Parte

Reza a história que a Vila de Ferreira do Zêzere deve o seu nome a Pedro Ferreiro, um homem de modesta condição e besteiro do rei D. Sancho I. Tendo-se distinguido por actos de bravura e heroísmo na defesa de Montemor-o-Novo, o monarca doou-lhe, em 1191, a sua herdade de Orjais, território que Pedro Ferreiro alargou por meio de compras e usurpações vindo aí a fundar, no ano de 1222, as bases de um pequeno concelho rural a que deu o nome de Vila Ferreira e muniu do respectivo foral. Posteriormente, em 1285 esta Vila foi unida ao reguengo de Vila de Rei, tendo o conjunto sido doado aos Templários por volta de 1306. A partir de 1321, após a fundação da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, vem a constituir uma das novas comendas instituídas no termo de Tomar até que a 12 de Março de 1513 o rei D. Manuel atribui um foral novo à Vila de Ferreira, que assim se vê desmembrada de Vila de Rei, passando a deter forca e pelourinho próprios. Por essa altura era seu comendador frei Gonçalo da Silva, ao qual se seguiria, em 1551, Manuel Abreu de Sousa e depois João Mendes de Carvalho, o qual viria a falecer a 17 de Setembro de 1615. A partir de 1715 a comenda passa a pertencer ao Conde de Sarzedas e, muito mais tarde, já em 1820, é eleito como último comendador da Vila o Conde de Almada. Pouco depois, na sequência das reformas administrativas de Passos Manuel, é instituído o Concelho de Ferreira do Zêzere a 6 de Novembro de 1836, o qual passa a integrar as antigas vilas e respectivos termos de Águas Belas, Dornes e Pias. Actualmente, a freguesia de Ferreira do Zêzere é constituída pelos seguintes lugares: Bairrada, Bairradinha, Bixardo de Baixo, Bixardo de Cima, Cabeçadeira, Cardal, Carvalhais, Carvalhal, Casais, Casal da Cruz, Casal da Rainha, Castanheiras, Castelo, Cerejeira, Chão da Serra, Cubo, Estrada do Cardal, Ferreira do Zêzere, Fonte de Ferreira, Fonte de Prata, Lameirancha, Levegada, Linhares, Maxial de S. Pedro, Maxieira, Pardielas, Pombeira, Portinha, Portomar, Quinta do Loureiro, Quinta Nova, Rebelo, Ribeira, Salgueiral, Sanguineira, Sobreira, Vale da Figueira, Vale de Sachos e Valongo. No que se refere à expressão do culto religioso nesta freguesia, ela tem por foco a igreja matriz de São Miguel, templo de feição setecentista já devidamente analisado na crónica anterior. Mas, para além desta, terão existido próximo do centro da Vila outros edifícios de carácter religioso, por vezes importantes dependências de uma ou outra propriedade mais abastada, de carácter público ou particular.
A documentação mais antiga refere-se, por exemplo, à Capela de Santo António, a qual se localizaria no primitivo largo dos Paços do Concelho, próximo do pelourinho. Porém, as sucessivas remodelações a que este espaço esteve sujeito ao longo dos tempos, a última das quais bem recente, não permitiram que chegassem aos dias de hoje quaisquer vestígios do referido templo.
Não obstante, e de acordo com algumas informações recolhidas por Paulo Alcobia Neves, o primitivo orago da capelinha terá sido transferido para uma outra capela de Santo António, esta ainda hoje existente e localizada no actual Cemitério de Ferreira do Zêzere. Trata-se de uma construção que goza de especial enquadramento, uma vez que a própria fachada do templo se volta para a via pública, incorporando parte do muro que delimita o perímetro cemiterial. Aí, encontra-se uma lápide com a seguinte inscrição: «28 de Setembro de 1938. A Câmara Municipal do Concelho de Ferreira do Zêzere mandou colocar esta lápide para comemorar o generoso acto dos ilustres filhos desta freguesia. Excelentíssimos senhores: D. Joaquina Dias Ferreira e seu marido Manuel António Dias Ferreira. Que mandaram fazer à sua custa as obras de gradeamento da frente do cemitério e a restauração da capela e suas dependências. Bem Hajam.» Do ponto de vista arquitectónico, trata-se de uma capela de planta longitudinal, de cujo corpo central se salientam dois volumes correspondentes às dependências necessárias ao cumprimento dos serviços religiosos. A cobertura é em telhado de uma água nos anexos e de duas águas no corpo central, na junção das quais se eleva, pela frontaria, um pequeno campanário. É a fachada principal constituída por porta de lintel curvo, ladeada por duas longas janelas rectangulares e encimada por óculo. Termina a frontaria em empena, rematada pelo já referido campanário e por dois pináculos nos vértices extremos.

Interessante é também a Capela de Todos os Santos, templo de carácter particular que inicialmente servia a Santa Casa de Misericórdia de Ferreira do Zêzere, mais tarde convertida no hospital concelhio. Trata-se de uma construção independente do antigo edifício hospitalar, erigida no pátio central que enquadra o conjunto edificado. As suas dimensões são reduzidas e o traçado é extremamente simples, assentado numa planta longitudinal desprovida de volumes salientes em relação ao corpo central, coberto por um telhado de duas águas. A frontaria é constituída por uma porta de lintel curvo, enquanto que em cada uma das fachadas restantes se rasga uma janela rectangular de lintel igualmente curvo. E porque falamos de templos particulares, não podemos deixar de referir outras duas capelas existentes na Vila de Ferreira do Zêzere, que se assumem como dependências integradas em duas importantes moradias: A Quinta do Adro e a Quinta de São José.
A história da Quinta do Adro é bastante interessante. Segundo António Baião, a sua instituição ficou a dever-se aos irmãos Manuel António Ribeiro e José António Ribeiro, na época inquisidores de Goa, que em 1762 fizeram um requerimento a el-Rei pedindo autorização para trocar um souto bravo que estes possuíam por um terreno baldio que o concelho de Ferreira detinha no lugar do Adro. Tendo sido o pedido atendido a 20 de Junho de 1770, aí iniciaram a construção da designada Quinta do Adro, que viria as suas possessões aumentadas a partir de 30 de Julho de 1779, quando os mesmos dois irmãos requereram o alargamento da sua herdade. Uma das dependências foi então consagrada ao exercício do culto, dedicado a Nossa Senhora da Conceição, apresentando-se a capela totalmente absorvida pela fachada principal do edifício habitacional, da qual repete os principais elementos arquitectónicos. Permitem-na distinguir o escudo de armas de Manuel António Ribeiro da Mota, esculpido no tímpano do frontão contracurvado que se desenvolve a partir do lintel da entrada principal do templo. É este brasão de armas constituído por um escudo ovalado e esquartelado, que no 1º quartel apresenta as armas dos Ribeiros, no 2º as dos Dias, no 3º as dos Gonçalves e no 4º as dos Ferreiras. De acordo com António Baião, foi este brasão de armas atribuído a 12 de Agosto de 1776, e é este mesmo ano que aparece inscrito na cantaria. Recentemente, a Quinta do Adro foi adquirida pela Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, tendo todo o seu espólio sido leiloado, inclusivamente aquele que integrava a capela de Nossa Senhora da Conceição. Não obstante, e de acordo com o Inventário Artístico de Portugal, possuía originalmente um retábulo do século XVIII, de caixilharia dourada e espelho rodeando o trono. As imagens deste altar, ao todo catorze, eram em marfim, destacando-se do conjunto uma Santa Teresa (0.155m altura) e um São Francisco (0.355m altura), assim como um Cristo Crucificado.

Interessante é também a Quinta de São José, actual sede da Fundação Maria Dias Ferreira. Igualmente conhecida por Quinta da Cabeça do Carvalho, por aí ter residido em tempos o comendador da Cabeça do Carvalho, trata-se de um edifício recentemente reabilitado, mas que manteve a dependência consagrada ao culto de São José. A capela é referida pelas “Notícias do Bispado de Coimbra” do Doutor Macedo Malheiro (1726) e pertencia então a D.ª Jacinta Maria Tomás, viúva do Doutor Francisco Rodrigues de Resende, que havia mandado instituir a referida capela. A entrada para o interior do templo, que surge assim completamente integrado na moradia, é assinalada por uma belíssima moldura barroca que a enquadra, ao centro da qual se destaca um ramo de três lírios, apanágio da pureza e atributo de São José.




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