sexta-feira, 12 de junho de 2009

Igreja de São Miguel de Ferreira do Zêzere

A igreja de São Miguel inscreve-se nos limites do centro histórico da vila de Ferreira do Zêzere junto à antiga Quinta do Adro, importante complexo habitacional setecentista que, tal como o próprio nome indica, comunica com o adro da matriz. Do ponto de vista arquitectónico, a planimetria do templo obedece ao já característico esquema longitudinal de nave única, completada por uma cobertura em telhado de duas águas. A fachada principal, de traço claramente maneirista, é rematada em empena e apenas ostenta um portal de verga recta, a cujo entablamento se sobrepõe uma grande janela rectangular. Do lado direito foi edificada uma torre sineira, à qual se pode aceder por meio de um lanço de escadas exterior, e que simultaneamente permite o ingresso no coro alto localizado sobre a entrada principal. Esta estrutura é ainda constituída por quatro arcos campanários, terminando numa cobertura piramidal dotada de caleira e goteiras. Na lateral sul do templo destacam-se ainda outros dois volumes, o primeiro dos quais correspondente ao absidíolo de uma pequena capela consagrada a Nossa Senhora de Fátima que abre para o interior da igreja, desenvolvendo-se a partir desta estrutura uma dependência que funciona como sacristia. Por sua vez, ao longo da lateral norte desenvolve-se um volume correspondente a um amplo corredor de sacristia que é dotado de várias aberturas para o exterior, entre janelas e portas, sabendo que apenas uma delas permite aceder directamente ao interior do templo. Esta estrutura incorpora o baptistério e uma capelinha consagrada ao Senhor dos Passos, dependências que comunicam com a nave central.
Pelo interior, a igreja de São Miguel apresenta-se como um dos templos do concelho de Ferreira do Zêzere de maior riqueza e diversidade decorativa. Para além da capela-mor existem neste templo sete altares, duas capelas laterais, um púlpito e um baptistério, adornados de várias obras escultóricas e pictóricas.
O baptistério trata-se de uma estrutura localizada na lateral norte do templo e que incorpora um pequeno altar consagrado a Santa Isabel, assim como a correspondente pia baptismal. Esta peça consiste numa simples taça gomada esculpida em pedra calcária e que se desenvolve a partir de um colunelo dotado de anel. Segue-se o púlpito, adossado à mesma parede lateral, constituído por um cálice executado em talha policromada, sustentado por uma mísula em pedra. Relativamente aos altares que adornam a nave central do templo todos eles são semelhantes entre si, divergindo somente na invocação. As estruturas retabulares foram executadas em talha policromada, nos tons de dourado e branco, surgindo por vezes alguns marmoreados.
 

Na lateral norte destaca-se o altar de Nossa Senhora das Dores. Trata-se de uma imagem de roca de grandes dimensões e carácter pietista, vestida nos tons púrpura; segura nas mãos um lenço alvo, pronto a enxugar o rosto martirizado de Jesus, ao mesmo tempo que a expressão da Virgem é reveladora de todo o seu sofrimento. Esta representação é geralmente acompanhada pela imagem do Senhor dos Passos que, na igreja de São Miguel, teve direito a capela própria.

 

Por sua vez, na lateral sul justapõem-se-lhes uma capelinha dedicada a Nossa Senhora de Fátima  e um altar consagrado a Cristo Crucificado, imagem de vulto executada em madeira policromada.

 

Já no arco cruzeiro localizam-se outros dois altares. O do lado do Evangelho é consagrado a Nossa Senhora com o Menino, obra escultórica barroca de produção popular, talhada em madeira posteriormente policromada. Nossa Senhora, coroada, apresenta-se como uma mulher de porte robusto, mãos largas e face redonda, enquadrada por uma farta cabeleira que cai sobre os ombros. Nos braços segura o Menino, que carinhosamente lhe afaga o pescoço, mas cujo corpito não deixa de revelar alguma incorrecção anatómica. As dificuldades sentidas pelo escultor na produção desta obra revelam-se ainda na execução dos panejamentos, tratados com pouca plasticidade, mas que não deixam de se apresentar ricamente adornados: à túnica branca sobrepõem-se pequenas rosas, enquanto que o manto azul é decorado por estrelas douradas, numa alusão ao firmamento. Já do lado da Epístola destaca-se um altar consagrado ao Sagrado Coração de Jesus, cuja imagem representa Cristo Ressuscitado, revelando o coração flamejante, ao mesmo tempo que as mãos do Salvador deixam perceber as chagas da crucificação.


Relativamente à capela-mor, esta é decorada por um magnífico retábulo executado em talha dourada barroca, cujo trabalho escultórico progride, de forma singela, pelas nervuras e sanca da abóbada. É o altar-mor consagrado ao arcanjo São Miguel que, vestindo como milícia romana, ostenta nas mãos uma espada e uma balança, e a São Brás, escultura de pedra do século XVI. A cobertura é em abóbada de caixotões decorados a fresco, com os símbolos alusivos à Paixão de Cristo e à Ladainha da Virgem, enquanto que o extradorso do arco cruzeiro revela pinturas representativas dos Evangelistas. Relativamente às restantes obras pictóricas constantes do espólio desta igreja existem variados e interessantes exemplares de pinturas executadas a óleo sobre tela, as quais foram produzidas em diferentes épocas e com maior ou menor grau de erudição.


Destaca-se, em primeiro lugar, uma Última Ceia, composição produzida no século XVIII e de claro anacronismo, já que a cena se desenvolve no interior de uma rica sala de jantar burguesa, sendo a refeição assistida por uma criada, que transporta uma malga de sopa fumegante. Cristo, juntamente com os seus doze apóstolos, senta-se ao redor de uma mesa redonda, ao centro da qual repousa um pão dentro de uma travessa, alimento que é distribuído pelos comensais.


De grande erudição é a Aclamação de Nossa Senhora: Virgem Maria, rodeada pelos Evangelistas e segurando nos braços o Menino, paira sobre uma nuvem que, transportada por um coro de Anjos, desce do Paraíso. Contemplam-na duas personagens, uma feminina e outra masculina, que convidam o observador a participar da experiência divina.

De carácter naïf é uma outra obra representativa de São Miguel no Purgatório, a qual manifesta grandes dificuldades de execução técnica e composicional. Os elementos representados são os recorrentes desta temática: São Miguel, vestido como militar romano e segurando nas mãos uma espada e uma balança, pesa as almas do Purgatório, enquanto que a Pomba do Espírito Santo desce do Paraíso para recolher os afortunados. Em minha opinião, a representação de São Miguel constante desta composição seguiu como modelo a própria imagem padroeira, uma vez que a posse e atributos do arcanjo se repetem nas duas obras. Existem ainda três composições, de recente produção, alusivas a São Brás (lateral direita), São Miguel no Purgatório (Capela-mor, lado do Evangelho) e a São Pedro (Capela-mor, lado da Epístola). De acordo com o Inventário Artístico de Portugal e, para além de todas as obras anteriormente referidas, guardam-se ainda na sacristia do templo: um Santo Antão de pedra do século XVI; uma Santíssima Trindade, igualmente esculpida em pedra e da mesma época; um Prato de Oferta em latão, com a habitual inscrição no bordo e ao centro, em relevo, a imagem da Virgem; uma custódia de prata dourada; e cinco cadeiras de couro, do século XVIII, com espalda e fundo gravados. Por fim, deve ser referido que, numa das últimas campanhas de intervenção neste templo, foi aplicado às paredes interiores um silhar de azulejos de produção industrial, que dificilmente se enquadra no esquema decorativo original. Apresenta o referido silhar uma altura de 8 azulejos, em tons de azul e branco, os quais se repetem de acordo com um módulo de 2X2/2 unidades.

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