Importantes são os exemplares de arquitectura religiosa existentes na Freguesia de Areias do Concelho de Ferreira do Zêzere, a grande maioria dos quais referenciada pelo Padre António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portugueza de 1712. Na crónica anterior, reportando-me ao ilustre cronista, analisei os templos cuja respectiva função cultual foi desvirtuada, ou porque a sua estrutura de todo se perdeu, ou porque a mesma foi readaptada a outras finalidades que não a religiosa.
Dando seguimento à publicação anterior e utilizando como referência o apontamento, previamente transcrito, do P.e Carvalho da Costa, resta-me analisar quais os templos que, referidos pelo mesmo autor, chegaram aos nossos dias, apesar de sucessivamente remodelados ao longo do tempo. Acontece que, na concepção de templos de tão vincado sabor rural, o recurso a uma planimetria longitudinal de nave única foi a solução arquitectónica recorrentemente utilizada, em virtude dos modestos recursos que lhe estavam na origem, pelo que o devaneio decorativo, quando existente, apenas se prenderia num ou noutro apontamento escultórico, resumindo-se muitas das vezes à presença sempre marcante da imagem padroeira. Face ao despojamento original, não é portanto de estranhar que tenha havido uma tendência crescente, ao longo das gerações, para o enriquecimento das fachadas e interiores dos templos, o que muitas vezes se traduzia numa remodelação quase total dos edifícios religiosos.
Não obstante, e no contexto da arquitectura religiosa da Freguesia de Areias, alguns exemplares destacam-se por preservarem ainda grande parte da sua estrutura original, tal como é o caso das capelas de Santo Amaro nas Gontijas, de São Saturnino na Serra da Guimareira e de Santa Apolónia nas Telhadas.
O primeiro templo, consagrado a Santo Amaro, ergue-se ao centro do lugar das Gontijas e poder-se-ia encontrar perfeitamente enquadrado pelo casario característico do povoado, não fosse a enorme habitação moderna que se ergue mesmo por detrás da capelinha. O pequeno templo terá sido muito provavelmente edificado no ano de 1567, de acordo com uma inscrição existente na cantaria da verga da porta, onde é possível ler-se também SMAURIA BBATIS, que poderá referir-se ao seu encomendante. Também sobre a entrada existe um óculo, em cuja cantaria foi registado o seguinte: «F.I.I. 1953 José Ramos, oferta a Sto. Amaro.» Pelo interior e no corpo central do templo destaca-se um pequeno púlpito construído em madeira, enquanto que na capela-mor, desprovida de altar, se conserva Santo Amaro (1.100 m altura), imagem de pedra quinhentista, inserida num pequeno nicho aberto na parede frontal.
De um enquadramento bem diferente goza a Capela de São Saturnino que, localizada no cimo da Serra da Guimareira, se apresenta aos olhos dos viandantes como um verdadeiro ermitério, ao qual apenas se acede a partir de um caminho florestal de terra batida. Para além do P.e Carvalho da Costa, também o Dr. Pedro Álvares Seco, no seu Treslado do livro das comendas da Ordem de Nosso Senhor Jezus Christo (terceiro quartel do século XVI), cita esta ermida e refere que aqui existia, ao seu tempo, uma confraria com muitos bens. Por sua vez, na Excursão Extremenha de Tomar a Dornes (1895), de José Leite de Vasconcelos, pode ler-se o seguinte: «como ao longe se avistasse a capela de S. Saturnino (vulgo Sadurninho), que fica ao pé do lugar de Menexas, na serra das Areias, fiz perguntas a seu respeito, e ouvi falar de quem está doente de sezões (?) rouba três telhas a qualquer casa, e vai pô-las ao pé do santo, cuidando que sara; chamam-lhe por isso o ladrão das telhas. É preciso que as telhas sejam furtadas, e sem o dono saber; se este souber, ou se as telhas forem dadas ao doente, o rito de nada serve». Actualmente, os populares prestam culto à imagem para que ela proteja a serra do perigo do incêndio. Diz-se que, enquanto a capelinha e o santo lá permanecerem, a serra “do Saturnino” não arderá.
A capela foi reconstruída no ano de 1973, tendo daí resultado uma estrutura arquitectónica “híbrida” que, no entanto, procurou manter o traçado primitivo. De facto, a partir da entrada não se acede directamente ao corpo central do templo, uma vez que este é antecedido por uma espécie de câmara, a qual se demarca da nave por meio de uma parede divisória. Esta divisória, onde se rasga uma porta ladeada por duas pequenas janelas, poderá corresponder, em minha opinião, à fachada original da capela, que assim se manteve preservada. O interior é caracterizado pelo seu despojamento decorativo, resumindo-se o espólio à imagem de São Saturnino, cópia do orago original recentemente furtado.
Muito mais interessante do ponto de vista construtivo é a Capela de Santa Apolónia, localizada no remoto lugar das Telhadas, em cuja cantaria do lintel da entrada foi esculpido, em alto-relevo, o que parece ser uma representação estilizada do monte Gólgota. A peça mais importante pertencente ao espólio deste templo é Santa Apolónia (0.545 m altura), imagem quinhentista de carácter popular, a qual me pareceu ser produzida em terracota. Existe ainda uma outra representação de Santa Apolónia, de recente produção, que ocupa agora o lugar do primitivo orago no nicho central da parede frontal.
Provavelmente coetânea da época de construção da Capela de Santa Apolónia é a Capela de Nossa Senhora da Luz, localizada no lugar de Vila Verde. Este templo não é citado pelo P.e Carvalho da Costa, provavelmente por lapso ou por ter sido fundada somente após publicação da Corografia Portugueza, mas apresenta igual importância no contexto religioso da Freguesia de Areias. A fachada principal da capelinha é composta por uma porta ladeada por duas janelas, desprovidas de volantes ou vidraças, as quais apresentam como única protecção um simples gradeamento. No fecho do lintel da entrada foi esculpido, em alto-relevo, um brasão muito interessante, que representa um coração inscrito num escudo, sobrepujado por quatro ameias. Por sua vez, no frontão foi aberto um nicho de moldura trabalhada. No interior destaca-se o altar, constituído por uma tela pintada a óleo de grandes dimensões, na qual se encontra representado um coro de anjos músicos que dão graças e ofertam a Senhora da Luz. Os gestos e os olhares dos anjinhos dirigem-se para o centro da composição, ocupado pelo nicho onde se encontra a padroeira, escultura de pedra do século XVII. A imagem é muito interessante, pois representa S. João Baptista com uma ovelhita a ofertar Nossa Senhora, que segura nos braços o Menino. Quer a imagem de Nossa Senhora, quer a de Jesus, apresentam-se exuberantemente coroadas.
O Padre António Carvalho da Costa refere-se ainda às capelas de São João Baptista na Avecasta, de São Salvador nos Matos, de São Francisco nos Milheiros e de São Tomé na Portela de Vila Verde, todas elas actualmente bastante adulteradas relativamente à sua concepção arquitectónica original.
De facto, o templo dedicado a São João Baptista foi recentemente reabilitado e, em detrimento das modestas linhas tradicionais, adquiriu formas mais modernas, desproporcionais relativamente ao conjunto edificado do casario rústico que complementa a sua envolvência. As principais modificações face ao esquema tradicional surgem na fachada principal, onde o simples beiral deu lugar a uma empena triangular de grandes dimensões que remata o edifício. Outros elementos aberrantes são as três frestas losangulares rasgadas nesta fachada; apenas no plano inferior se preserva a porta principal, ladeada por duas pequenas janelas. Pelo interior, as paredes foram revestidas por um silhar de azulejos de produção industrial, mas preservou-se, no entanto, a primitiva imagem de S. João Baptista (0.840 m altura), seiscentista e esculpida em pedra, de marcado carácter popular.
Também o templo dedicado a São Salvador foi reabilitado, tendo-se apostado sobretudo na remodelação da cobertura, que era ainda em telha vã, e do pavimento, o qual se mantinha em terra batida. De acordo com informações recolhidas no local, ao intervir-se no pavimento foram descobertas ossadas, o que aponta para a realização de enterramentos no interior deste templo. Do espólio primitivo destaca-se a imagem quinhentista e esculpida em pedra de São Salvador (0.540 m altura), representando Cristo Ressuscitado exibindo as chagas, coroado e envolto por uma túnica vermelha, a qual repousa num pequeno nicho pétreo de características maneiristas.
Já a Capela de São Francisco goza de um belíssimo enquadramento rural, mantendo-se íntegra a sua área de envolvência. No lintel da entrada existe uma pequena cruz de Cristo esculpida em relevo e na qual foi incisa a data de 1903, o que poderá corresponder a um anterior período de remodelação. Na sequência da última intervenção realizada foi aplicado, nas paredes interiores do templo, um silhar de azulejos de produção industrial, mas o restante espólio é igualmente recente, destacando-se a imagem padroeira de São Francisco de Assis, segurando um crucifixo e mostrando os estigmas.
A Capela de São Tomé foi, sem dúvida, o exemplar que recebeu alterações mais significativas, não só relativamente à sua concepção arquitectónica original, mas inclusivamente no que se refere ao seu primitivo enquadramento físico. A subida, alargamento e alcatroamento da estrada que lhe é contígua, teve como consequência directa a inutilização da entrada principal do templo, que passou a ser realizada a partir de uma porta lateral. Por sua vez, a fachada principal preserva somente uma pequena janela (uma vez que a porta foi entaipada), mantendo a empena triangular na qual se insere o campanário, mas a que o relógio electrónico subtraiu o som do sino tradicional.
Todavia, a importância deste templo reside nos exemplares de imaginária que preserva, destacando-se do conjunto um S. Marcos executado em madeira policromada e datado do final do século XIV, o qual apresenta, à altura do peito, um disco relicário hoje vazio; é esta escultura de grandes dimensões (1.100 m altura) e muito me custa a crer que pertencesse originalmente a este templo. Refira-se ainda a imagem de Santa Eufémia (0.510 m altura) esculpida em pedra policromada, proveniente da primitiva capela de invocação a este orago e que provavelmente corresponde ao templo ainda hoje existente no lugar da Serra do Balas.
3 comentários:
Obrigado pela recolha e divulgação deste património popular.
Servirá também esta recolha para despertar as consciências sobre as alterações arquitectónicas, decorativas e outras que se fizeram nos últimos anos. verdadeiras aberrações fruto de um novo riquismo de mau gosto somados aos efeitos sonoros de relógios e imitações de sinos.
Bem haja
Ângelo M.
"...O primeiro templo, consagrado a Santo Amaro, ergue-se ao centro do lugar das Gontijas e poder-se-ia encontrar perfeitamente enquadrado pelo casario característico do povoado, não fosse a enorme habitação moderna que se ergue mesmo por detrás da capelinha..."
A mais de 20 anos que essa, entre outras "novas" construçoes existem. Mas se não fossem certas pessoas a construir novas moradias e outros, Areias seria hoje uma aldeia fantasma.
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