segunda-feira, 25 de maio de 2009

Igreja de Nossa Senhora do Pranto de Dornes: 2ª Parte

Contrariamente aos templos que até aqui têm vindo a ser apresentados, o interior da igreja matriz de Dornes encontra-se totalmente revestido a azulejo. De facto, entre o conjunto de monumentos religiosos existentes no concelho de Ferreira do Zêzere e dotados de património azulejar, este é o mais rico. O tapete reveste, integralmente e do chão à cobertura, o corpo da igreja, contornando os elementos arquitectónicos por meio das correspondentes cercaduras. Este é constituído pela adição linear de um padrão que obedece a um módulo de repetição 2x2/1 o qual, de acordo com Santos Simões, data da primeira metade do século XVII. Os motivos, realizados de acordo com um esquema de estrela e cruz, denotam uma forte inspiração mudéjar combinando, sob um fundo azul, os tons de amarelo e branco. Este tipo de padrão foi muito frequente em Sevilha e de lá vieram, no princípio do século XVII, os protótipos que se reproduziram, regularmente, em Portugal até meados da centúria. O espólio desta igreja é abundante e diversificado, caracterizando-se alguns dos seus exemplares por uma produção que se aproxima dos parâmetros da erudição tomarense.
Na parede lateral sul, próximo da capela-mor, destaca-se um altar esculpido em pedra calcária, que obedece ao rigor da estética renascentista. O orago é consagrado à Santíssima Trindade (0.970m altura), imagem quinhentista esculpida em pedra, representando o típico Deus Pai em majestade, segurando Jesus Crucificado, mas já sem a correspondente Pomba do Espírito Santo.
 
Caminhando em direcção à entrada principal do templo seguem-se uma pequenina imagem de roca alusiva a Nossa Senhora da Conceição, assente sobre uma mísula justaposta à mesma parede e uma pintura executada a óleo sobre tábua representativa de um Descanso na Fuga para o Egipto, precioso exemplar maneirista do último terço do século XVI, com 2.090m de altura e 0.725m de largura.
Por sua vez, na lateral norte e em frente do altar consagrado à Santíssima Trindade localiza-se um outro retábulo renascentista, igualmente esculpido em pedra calcária, constituído por quatro nichos que ostentam as figuras dos evangelistas: São João, São Marcos, São Lucas e São Mateus, todos esculpidos em pedra e datados do século XVI, com aproximadamente 0.800m de altura. O nicho central, dedicado ao Santíssimo Sacramento, é revestido por um painel azulejar emblemático que data provavelmente da mesma época em que foi realizado todo o revestimento azulejar do corpo da igreja, isto é, inícios do século XVII. Neste painel encontra-se representado o tema da Eucarístia na forma de exposição da partícula divina: a hóstia pintada de amarelo (como forma de sugerir ouro) que se destaca de um fundo radiado. A composição é acompanhada da inscrição HOC EST ENIM CORPUS MEUM, patente no friso do altar.
 
Já na parede lateral sul seguem-se uma imagem do Sagrado Coração de Jesus assente sobre uma pequenina mísula, um púlpito datado de 1544 e lavrado de rosetas com a cruz de Cristo, um órgão de tubos seiscentista (recentemente restaurado) a que se acede por meio de um lanço de escadas de madeira que desce a partir do coro-alto e, por fim, um baptistério revestido por um silhar de azulejos de recente produção que reproduz os exemplares existentes na capela-mor. O forro azulejar deste último espaço trata-se de um revestimento do tipo caixilho em esquema simples, produzido nos tons de azul e branco, e resulta de uma encomenda que Frei Baltazar de Medeiros terá mandado executar em 1592.
 
O interior da capela-mor é ainda enriquecido por um magnífico retábulo em talha dourada barroca, no qual se conserva a imagem milagrosa de Nossa Senhora do Pranto (0.900m altura) datada do século XVI e representada na forma iconográfica habitual da Pietá.
 
Por sua vez, os caixotões da abóbada são preenchidos por várias pinturas alusivas à temática da Paixão e diversas imagens de Santos que se fazem acompanhar dos seus respectivos atributos. São estas pinturas próximas da que se encontra ao centro da cobertura da nave do templo, onde se encontra representado o escudo da Rainha Santa Isabel, curiosamente invertido.
  
Da restante imaginária presente na igreja de Nossa Senhora do Pranto destacam-se ainda duas imagens quinhentistas esculpidas em pedra alusivas a Santa Catarina (0.980m altura), cuja indumentária e caracterização são notáveis, e a uma Nossa Senhora do Leite (0.745m altura), esta muito mais rude e bastante repintada. Ambas estão assentes sobre mísulas justapostas ao arco cruzeiro e localizadas, respectivamente, no lado do Evangelho e no lado da Epístola do mesmo arco.
Já no corredor da sacristia, sobre um arcaz conservam-se um imagem de roca de Nossa Senhora do Rosário, uma Pietá, uma Nossa Senhora de Fátima, um Cristo Crucificado e um São Francisco de Assis, estes dois últimos executados em madeira policromada. Aqui existe também um pequeno lavatório de cantaria, idêntico aos até agora identificados noutros templos do concelho mas de talhe mais rude, apesar de provavelmente remontar ao século XVI.
Numa outra dependência da sacristia conservam-se, guardados nas respectivas caixas de madeira, os Círios de cada uma das povoações que, anualmente, participam na romaria à igreja de Nossa Senhora do Pranto de Dornes. Refira-se ainda a existência de uma lâmpada de latão seiscentista. No que se refere ao estado de conservação da Igreja de Nossa Senhora do Pranto refira-se que, a partir de 1963, este templo foi alvo de várias campanhas de conservação e restauro levadas a cabo pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN). As intervenções desenvolvidas por esta entidade prolongaram-se até ao ano de 1970, sabendo que entre 1959 e 1964 decorreram as campanhas de reparação da cobertura. Não obstante, apesar deste trabalhos de recuperação são actualmente detectáveis algumas zonas de escorrência de humidade a partir do madeiramento que forra a nave central do templo; por sua vez, também a abóbada da capela-mor denuncia várias manchas decorrentes de infiltrações que se processam a partir da cobertura. Desta forma, torna-se urgente a revisão do sistema de impermeabilização e escorrência das águas pluviais, sob o risco de se estar a comprometer o estado de conservação de todo o património integrado deste templo. Por fim, entre outras intervenções desenvolvidas pela DGEMN refiram-se ainda: o arranjo do adro e reconstrução da escadaria de acesso ao templo; a demolição e reconstrução da fachada principal, incluindo pórtico e rosácea; a consolidação dos muros (incluindo cintagem em betão armado) e pavimentos; o apeamento, assentamento e/ou substituição de azulejos; a demolição e desmontagem de alvenarias para abertura e alargamento de vãos, com reaproveitamento de cantarias; o restauro dos altares e do baptistério; e o restauro do revestimento em azulejos da capela-mor e baptistério.

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