segunda-feira, 25 de maio de 2009

Compreender a Lembrar: 2ª Parte



Continuação


III. “ Há momentos de alegria indizível em certas etapas da vida do Ser: quando nasce, embora não o expresse ainda; quando dá a nascer; quando conhece, quando se dá a conhecer, isto é, quando se desloca de encontro à temporalidade do mundo, que é o Saber. Escrever e publicar um livro é ir de encontro ao mundo. Para Sócrates, o «pai filósofo» e o verdadeiro fundador do paradigma dialógico da cultura Grega, o Conhecimento, a que ele chamou maiêutica, era o parto do mundo, processo de desocultação do que possamos reconhecer que já sabíamos. Nisto havia um trabalho de desmitologização, de dúvida face aos ídolos que também Francis Bacon denunciou no alvor da Modernidade. Quem dá a conhecer é porque não (se) conhecia anteriormente. Mundo é contínua descoberta, por mais descobertas possa haver. Partindo da microfísica, é o que podíamos analogicamente identificar como o princípio da incerteza de Heisenberg ou, partindo da matemática descontínua, com o princípio da incompletude de Kurt Gödel, ambos inferidos no século passado. O que sabemos hoje, dada a crescente complexidade dos próprios saberes científicos e da investigação humanística, aproxima-nos cada vez mais das duas grandes máximas socráticas: Primeira, a do nosce te ipsum, na tradução latina: «conhece-te a ti mesmo». Não há saber algum que não revele quem o produz. Segunda, a do extraordinário «Só sei que nada sei». Quanto mais avançamos no conhecimento mais relativas ficam as fronteiras entre si dos saberes e maior consciência temos do pouco que sabemos na complexidade crescente dos fios que entretecemos para descobrir o mundo. E a nós, no mundo”. IV. “Mas a aventura do conhecimento e da descoberta, tanto pode começar pelo geral como pelo local, pelo Kósmos ou pelo rosmaninho medrado à porta de casa. Ambos os itinerários intelectuais são legítimos e nada incompatíveis; a Ana Torrejais começou pelo estudo do local; quis inventariar património edificado – o traço frio, o monumento dum tempo[1] – mas também interpretar património vivo – o afectivo re-cordare, o lembrar[2] – que são pessoas concretas, comunitariamente inseridas, com as suas aspirações, hábitos, trabalhos, ilusões, crenças. E fê-lo na perspectiva da salvaguarda dos bens culturais, iniciativa meritória se for desapegada de estratégias imobilistas ou endeusamentos folclóricos ou etnográficos. Isto é, se não reduzir o local ao lugar; e o lugar ao único. A tarefa é árdua: teve que reler e reactualizar, sob certos aspectos, uma das boas monografias de história local publicadas na primeira metade do século XX, A Vila e o Concelho de Ferreira do Zêzere de António Baião (1918, reeditada em 1982 e reimpressa em 1990). Teve de tomar em linha de conta as duas Colectâneas, a Artística e a Fotográfica publicadas pelo Dr. Paulo Alcobia Neves, de 1990 e 2000, respectivamente, e mais ainda o Armorial Ferreirense, ode historiográfica que o filho endossa à terra-mãe; teve que reler Sá Flores nas Lendas, contos e poesia de Ferreira e os belos Tojos e Rosmaninhos do Alfredo Keil (1850-1907), músico, pintor, poeta, amante de arte, o tão esquecido compositor de A Portuguesa, também pouco mais do que esquecido por Ferreira do Zêzere; Ana leu livros sobre os poderios templários e fantasiosas cosmovisões desses lunáticos e guerreiros; mas também se interessou pela fenomenologia do sagrado, numa perspectiva da antropologia da religião, que estabelece, num plano comparado, a relação simbólica com o profano, na abordagem de Mircea Elíade ou Leite de Vasconcelos. Ainda será um trabalho marcado pela orientação escolar a que se propunha. E no entanto, nele começam a nascer, a tornarem-se evidentes, sinais de que quer – e pode – a Ana Torrejais ir mais longe. É o que eu lhe queria hoje dizer, participando na alegria de lhe ver nascer um livro: que não se esqueça a Ana, estudando o local, de olhar o geral. Porque tem sérias capacidades para o fazer. E é este o desejo do antigo professor: que o faça, com a seriedade e o rigor que demonstra nesta sua estreia. Para isso lhe convoco o «nosso» Ricardo Reis:

"Só os deuses socorrem Com o seu exemplo aqueles Que nada mais pretendem Que ir no rio das coisas.”[3]

Texto de: Paulo Archer de Carvalho. Paulo Archer de Carvalho cursou Direito e licenciou-se em História na Universidade de Coimbra, é Mestre em História Contemporânea e, neste momento, finaliza o Doutoramento em História da Cultura pela mesma Universidade, sendo Bolseiro da Fundação da Ciência e Tecnologia. Professor, formador e consultor da formação de professores, tem cerca de quatro dezenas de títulos publicados entre livros de Poesia, livros e artigos sobre Epistemologia e História, História das Ideias, da Cultura e das Mentalidades Contemporâneas, manuais universitários e ainda dispersa colaboração jornalística sobre arte, cultura e educação.

[1] Cf. F. Catroga, Memória, história, historiografia, Coimbra, Quarteto, 2001, 24-25. [2] Id, ib. 25. [3] Ricardo Reis, Odes, op. Cit., 58.

3 comentários:

Joana Pedroso disse...

ola ana :)

espero que esteja tudo bem contigo :) parece que sim :)

estava a procura de um contaxto, email ou morada do professor archer. gostava de lhe enviar uma carta ou email (se bem que me lembro nunca se deu mt bem com as novas tecnologias, mas nunca de sabe).

Se tiveres esta informacao e puderes dar-me ficaria super agradecida!

envia para joanabpedroso@gmail.com

um grande abraco e desejo de felicidades :)

Joana Pedroso

catarina disse...

Olá Ana

Queria saber se tem algum contacto do Professor Archer de Carvalho. Fui sua aluna e gostava de saber dele. O meu e-mail é catmson@gmail.com

MG disse...

Olá.
Gostava de contactar consigo, Ana, e adquirir o seu livro. Como poderei fazê-lo? Desloco-me com facilidade a Ferreira, pois estou a desenvolver doutoramento sobre Cernache do Bonjardim. Por favor dê-me indicações para mgoncal@ualg.pt. Obrigada. Marta Gonçalves